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terça-feira, 4 de agosto de 2020

Explosão em Beirute deixa dezenas de mortos e milhares de pessoas feridas


Do UOL, em São Paulo*

04/08/2020 13h08Atualizada em 04/08/2020 19h21

RESUMO DA NOTÍCIA

  • Explosão ocorreu na área portuária que contém armazéns e foi sentida a 200 km; local recebe avisos desde 2014
  • Cúpula de segurança geral afirmou que a explosão foi causada por chamas onde material confiscado altamente explosivo estava armazenado
  • 2,7 toneladas de nitrato de amônio estavam no porto a caminho da África; embaixada americana pede que pessoas se previnam de gases tóxicos
  • Comitê de investigação terá cinco dias para identificar os responsáveis
  • Sobrecarregados, hospitais pedem doação de sangue e estão recusando novos pacientes feridos; crianças com câncer foram retiradas às pressas dos leitos
  • Segundo Itamaraty, não há relatos de mortos brasileiros; esposa de adido foi ferida por estilhaços

Uma grande explosão hoje em Beirute, capital do Líbano, causou pânico e destruição na região portuária. Uma gigantesca coluna de fumaça pôde ser vista de toda a cidade, relataram testemunhas e a mídia local. Vitrines de lojas de diversos bairros estouraram e carros foram abandonados nas ruas sem os vidros e com o airbag acionado. Muitas casas perderam suas sacadas. O impacto foi sentido até no Chipre, a mais de 200 km da costa libanesa.

Pelo menos 78 pessoas morreram, informou o ministro da Saúde, Hamad Hassan, e cerca de 4 mil feridos estão sendo encaminhados para hospitais da cidade. O balanço, contudo, ainda é provisório e os números sofrem atualização em tempo real. Segundo a Cruz Vermelha, 60 feridos estão em situação crítica.

Segundo as autoridades, devem crescer à medida que avançam os esforços. Hassan confirmou à imprensa local que a expectativa é que o real impacto será maior do que o relatado até o momento. Em comunicado, a embaixada dos Estados Unidos na cidade pediu que as pessoas usem máscaras e fiquem em casa após "relatos de gases tóxicos" liberados.

O primeiro-ministro Hassan Diab declarou em rede nacional que o armazém vem recebendo avisos sobre seu perigo desde 2014. "Eu prometo a você que essa catástrofe não passará sem responsabilidade. As pessoas responsáveis pagarão o preço", afirmou.

Um comitê de investigação terá cinco dias para identificar os responsáveis pela explosão. A iniciativa foi tomada após reunião do Conselho de Alta Defesa, que contou com o primeiro-ministro e o presidente Michel Aoun.

Diab decretou um dia de luto nacional. De acordo com a Reuters, um estado de emergência deve ser declarado em Beirute nas próximas duas semanas.

Beirute, a capital do Líbano, tem cerca de 360 mil habitantes e fica no litoral do mar Mediterrâneo. O país, por sua vez, faz fronteira com Israel (ao sul) e com a Síria (ao leste e ao norte).

Material explosivo

A princípio, emissoras locais informaram que na região do porto ficavam armazéns de fogos de artifício. Contudo, a cúpula de segurança geral do Líbano afirmou que a explosão foi causada por chamas em um armazém onde material altamente explosivo estava armazenado — inclusive nitrato de sódio, substância usada para a fabricação de explosivos e fertilizantes. O material havia sido confiscado de um navio.

"Parece que há um armazém contendo materiais confiscados há anos, e parece que eram materiais muito explosivos", disse o diretor geral da Segurança Geral, Abbas Ibrahim, questionado por jornalistas na área. "Os serviços responsáveis estão realizando a investigação, e dirão qual é a natureza do incidente", acrescentou.

De acordo com Ibrahim2,7 toneladas do composto estavam no porto a caminho da África quando houve a explosão.

Local da explosão em Beirute - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Uma brasileira ferida

Uma fragata brasileira não foi atingida por questão de minutos. Apesar de nenhum militar brasileiro ter ficado ferido, há informações de que a esposa do adido brasileiro estava próxima ao local e foi atingida por estilhaços, informa a colunista do UOL, Carla Araújo.

Segundo o Itamaraty, não há relatos de brasileiros mortos ou gravemente feridos na região.

Mesmo distante do porto, a embaixada do Brasil em Beirute foi danificada pela explosão na capital libanesa e pelo menos a residência de um dos diplomatas está inabitável depois dos acontecimentos. Segundo o colunista Jamil Chade, nenhum funcionário teria sido ferido e, pelo menos por enquanto, não existem relatos de brasileiros em condições críticas.

Ao UOL, Zilda Naves, 64, que vive em Beirute há 30 anos, afirmou que "foi como se fosse a bomba de Hiroshima": "Parecia o fim do mundo", definiu a paulista que apresenta fortes tosses após o ocorrido.

"Bola de fogo"

Duas fontes de segurança disseram à Reuters que a explosão ocorreu na área portuária que contém armazéns. A explosão abalou várias áreas da capital, quebrando janelas e portas e danificando veículos.

Segundo a emissora local LBC, o ministro da Saúde, Hamad Hassan, disse que havia um "número muito alto" de feridos e uma grande quantidade de danos.

Vi uma bola de fogo e fumaça subindo sobre Beirute. Pessoas estavam gritando e correndo, sangrando. Sacadas foram arrancadas de edifícios. O vidro dos prédios se partiu e caiu nas ruas."Testemunha da explosão

Outra testemunha disse à agência de notícias que viu uma fumaça cinza pesada perto da área do porto e depois ouviu uma explosão e viu chamas de fogo e fumaça preta: "Todas as janelas do centro da cidade estão quebradas e há feridos andando por aí. É um caos total."

"Uma aluna comentou que estava sentindo o prédio tremer e começou a gritar, dizendo que havia alguém batendo na porta, tentando empurrar. Quando sai à porta, vi tudo branco", disse à CNN a professora de ginástica Yasmin Mussalam Al Masri.

Em entrevista à Globonews, o contra-almirante Sergio Renato Berna Salgueirinho, responsável pela embarcação, informou que os militares perceberam a explosão enquanto faziam a patrulha nos arredores do porto da capital libanesa. "Percebemos uma onda de choque, seguida de um ruído bastante forte. Quando a gente avistou, já havia uma coluna de fumaça de cor rosada. Foi quando a gente percebeu que havia acontecido algo grave."

Nas redes sociais, vários vídeos registram a explosão em ângulos diferentes e as cenas de pavor nas ruas após o incidente. Em entrevista à BBC, Hadi Nasrallah, testemunha da explosão, disse que a cena foi "muito assustadora" e que o barulho foi "muito alto".

De repente, eu perdi minha audição. Perdi minha audição por alguns segundos. Eu sabia que algo estava errado e, de repente, vi os cacos de vidro se espalhando sobre o carro."Hadi Nasrallah, testemunha

Atendimentos a feridos

Os jornalistas foram proibidos de acessar a zona, segundo um correspondente da AFP. Em frente ao centro médico de Clémenceau, dezenas de feridos — incluindo crianças, às vezes cobertas de sangue — esperavam para serem admitidos, segundo a agência.

Alguns prontos-socorros estavam tão sobrecarregados que chegaram a rejeitar pacientes feridos. Segundo informações do New York Times, o maior hospital da cidade, o St. George, teve as janelas destruídas e está com o telhado em pedaços.

Pessoas que estavam internadas na unidade se feriram com os estilhaços e os pais de algumas crianças com câncer tiraram seus filhos às pressas de seus leitos.

No bairro de Achrafieh, os feridos correm para o Hospital Hôtel Dieu. Segundo a emissora LBCI, pelo menos 500 pessoas procuraram atendimento no local. Os hospitais pedem doação de sangue à população.

"Eu estava a quilômetros. O vidro quebrado estava em todos os lugares ao meu redor", informou a jornalista Zeina Khodr, repórter a Al Jazeera, segundo o site do canal.

O governador da cidade de Beirute, Marwan Aboud, viu a explosão como "um desastre nacional semelhante a Hiroshima", em referência à cidade japonesa bombardeada no fim da Segunda Guerra Mundial, e disse que "Beirute é uma cidade arrasada, e a escala dos danos é enorme".

Repercussão internacional

Governos de Israel, França e Estados Unidos ofereceram assistência. O presidente francês, Emmanuel Macron, telefonou para o colega libanês e anunciou o envio de ajuda. "Ele expressou seu apoio e o apoio da França ao povo libanês", informou o palácio do Eliseu, sede do Executivo francês. "Ajuda e recursos franceses estão a caminho", acrescentou a fonte, sem dar maiores detalhes.

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ofereceu ajuda dos Estados Unidos. "Estamos monitorando [a situação] e estamos prontos para ajudar o povo do Líbano enquanto se recupera desta terrível tragédia", escreveu Pompeo no Twitter. Pompeo disse que os Estados Unidos esperam as conclusões das autoridades libanesas sobre as causas das explosões, que além das vítimas, arrasaram o porto da cidade.

Segundo o ministério alemão das Relações Exteriores, as explosões teriam deixado feridos funcionários da embaixada alemã na cidade. "Não podemos no momento excluir que cidadãos alemães estejam entre os mortos e feridos", informou o ministério.

Soldados da missão da ONU no Líbano (Finul), cujo navio estava ancorado no porto, ficaram gravemente feridos, anunciou a Finul na noite desta terça. Os marinheiros feridos, "alguns dos quais gravemente", foram evacuados para "os hospitais mais próximos". Não foram dadas informações sobre a identidade e a nacionalidade das vítimas.

Agências informam que a explosão pôde ser percebida nas cidades de Nicósia, Limassol e Larnaca, no Chipre, a mais de 200 km.

Momento de crise

O Líbano atravessa sua pior crise econômica em décadas, marcada por depreciação monetária sem precedentes, hiperinflação, demissões em massa e restrições bancárias drásticas, que alimentam há vários meses o descontentamento social.

Há uma semana, após meses de relativa calma, Israel disse que frustrou um ataque "terrorista" e abriu fogo contra homens que cruzaram a "Linha Azul" entre o Líbano e Israel.

O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, atribuiu a infiltração ao Hezbollah, um movimento armado pró-iraniano muito influente no sul do Líbano e que o Estado judeu considera como seu inimigo. Acusado de "brincar com fogo", o Hezbollah negou qualquer envolvimento.

Em 14 de fevereiro de 2005, um atentado com uma caminhonete carregada de explosivos atingiu o comboio de Rafik Hariri, matando-o com outras 21 pessoas e ferindo mais de 200. A explosão causou chamas de vários metros de altura, quebrando as janelas dos prédios em um raio de meio quilômetro.

Na sexta-feira, o Tribunal Especial do Líbano (STL), com sede na Holanda, deve emitir seu veredicto no julgamento de quatro homens, todos suspeitos de serem membros do poderoso movimento libanês Hezbollah, acusado de participar do assassinato de Hariri. Ainda não há informações, no entanto, de eventual ligação do julgamento com a explosão de hoje.

*Com informações de AFP, Reuters e Ansa

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